‘Uma galera não entendeu o grito ‘não vai ter Copa”, diz diretor de filme sobre protestos

Quase um ano após as manifestações tomarem as ruas do Rio, um coletivo de 12 diretores lança nesta quinta-feira nos cinemas o filme “Rio em chamas”. Montado com imagens dos protestos e outras, encenadas ou não, que mostram diálogos sobre a situação da cidade, o longa-metragem estreia próximo ao início da Copa do Mundo, um dos temas abordados no filme.

 Seus diretores são:
 Daniel Caetano, Eduardo Souza Lima, Vinícius Reis, Cavi Borges, Diego Felipe Souza, Luiz Claudio Lima, Ana Costa Ribeiro, Ricardo Rodrigues, Vítor Gracciano, Luiz Giban, Clara Linhart e André Sampaio. Daniel Caetano, que cuidou da produção e também é professor de Cinema da UFF, conversou com O GLOBO sobre a proposta.


 Como surgiu a ideia para o projeto?

No momento em que as ruas do Rio começaram a se incendiar, a gente ficava naquela agonia de quem precisa se manifestar. Então a gente sentiu que precisava fazer um filme como uma manifestação: trazendo o que cada um quer expressar, a partir de uma energia comum que moveu a todos.


 Foi daí que rolou a idéia do “Rio em chamas”. Cada um dos diretores cuidou de produzir um episódio para falar desse ambiente atual do Rio – a ideia se desenhou entre julho e agosto, e em setembro já tinha coisa sendo filmada. Além desses episódios independentes, que foram entregues montados, usamos também muitas imagens feitas pelos cinegrafistas Tamur Aimara e Guilherme Fernández , que já vinham filmando manifestações públicas desde junho de 2013 – e continuam em atividade. Tanto que as últimas imagens mostradas no filme foram registradas há menos de dois meses. 

 Então vocês enxergam o filme também como uma forma de se manifestar?

A nossa ideia nunca foi tentar fazer um relato completo de todos os acontecimentos desses dias loucos. “Rio em chamas” é uma espécie de filme-manifestação: cada um tem algo a mostrar e dizer, sem que os outros controlem isso; mas existem questões em comum e uma energia própria dessa união que fazem o coletivo se mover numa determinada direção.


 Dessa maneira, misturando várias formas de registro, achamos que ele poderia retratar os nossos tempos de forma mais viva e real do que se fizéssemos o resumo de vários acontecimentos num discurso único.

Como consequências das manifestações, houve um debate muito acirrado sobre representação na mídia brasileira.


 Qual você considera ser o principal aprendizado desse debate?

Acredito que a dita grande mídia começou a perceber o poder crescente dos registros independentes, sejam estes amadores ou profissionais. Mas o que me impressiona mais não é o que foi aprendido, é o que segue sendo ignorado. 


A pauta da violência policial vem sendo gritada há um ano pelas ruas e, embora essa seja uma tradição sinistra que remonta no mínimo ao período ditatorial (mas certamente com raiz bem mais antiga), tanto os candidatos quanto os jornais seguem aceitando com naturalidade as bombas de gás em multidões e com pesar os mortos nas favelas.

Se um grupo numeroso de pessoas faz um protesto porque uma pessoa da sua comunidade foi morta, fica complicado aceitar que a única preocupação das autoridades e da mídia seja resolver os problemas de trânsito decorrentes disso.

Vocês tiveram dificuldade em conseguir exibir o filme? Algum cinema se recusou? E vocês planejam alguma estratégia especial para o filme ser visto pelo maior número de pessoas?

Não tivemos nenhuma dificuldade até agora – ao contrário, o pessoal do Estação logo mostrou interesse em exibi-lo aqui no Rio. Nossa estratégia é tornar o filme disponível para quem quiser assistir: além de estar em cartaz nos cinemas (atualmente no Cine Odeon), “Rio em chamas” estará acessível na internet e vamos liberar para quem tiver interesse em exibir. Festival, cineclube ou o que seja, qualquer um pode exibir ele onde for, não precisa nem pedir autorização. Como é um filme sem interesse lucrativo, a gente leva fé no boca a boca e na curiosidade das pessoas para ver o que o filme mostra.


 Um dos temas em voga nas manifestações de 2013 e bem presente no filme está perto de se tornar realidade. Então eu pergunto: vai ter Copa?

Acredito que podem acontecer alguns jogos de futebol, mas a festividade que ficou na memória até mesmo de copas que perdemos, essa aí parece complicada de acontecer. Parece que uma galera não entendeu o sentido do grito “não vai ter copa”. Também não adianta entender ao pé da letra “eu quero o fim da polícia militar”, como dizia outro grito das ruas: o problema não vai se resolver se a polícia militar for trocada por uma polícia civil igualmente violenta. A questão é que as pessoas que foram às ruas sentiam que seus direitos estavam sendo desrespeitados – e a resposta do Estado para isso foi jogar mais bombas de gás em cima de multidões. Por isso que a gente fez o nosso filme.


O Globo

Postado em 30 de maio de 2014